“O chefe do futuro vai ser um algoritmo?”
Infomoney, 03/05/19
“Algoritmos farão o nosso trabalho mais rápido, mais barato e melhor” , diz pesquisador italiano
Jornal Zero Hora, 16/03/2018
Falar de futuro sempre traz consigo uma aura esotérica, ainda que os resultados apresentados sejam decorrentes de inúmeras análises de dados. Por que? Sempre podemos, enquanto humanidade, tomar direções diferentes e modificar um curso que era dado como certo. Embora não tenhamos mais previsões futurísticas mirabolantes, ainda temos muitas perspectivas que tendem a se confirmar, caso seja nossa escolha.

A tecnologia sempre assume a dianteira como grande responsável por mudanças no curso da sociedade. Quando o primeiro carro a motor passou a existir, ele foi apontado como grande ator do processo de mudança comportamental dos indivíduos. O mesmo acontece com a modernização da indústria, que neste chamado período da Revolução 4.0 , deposita toda a fonte de esperança e angústia no aporte tecnológico produzido.
Entretanto, frequentemente lembramos que quem produz a tecnologia são atores humanos. O que isso quer dizer? Que pessoas com acesso a recursos diversos têm a possibilidade de propor processos, produtos e serviços de um modo distinto do que se fazia até o momento presente. Essas pessoas são, então, as responsáveis por definir o mundo como ele é? Vamos incluir mais um ator nessa conversa.
Quando o primeiro Smartphone foi lançado, nós estávamos plenamente satisfeitos com o modo de operação dos nossos finados telefones (que por sinal hoje nem fazemos mais ideia como funcionavam). Nós realizávamos nosso trabalho no escritório, falávamos com as pessoas quando havia sinal, enviávamos mensagens e não tínhamos certeza que elas eram recebidas/lidas etc. Nós vivíamos bem até o momento que aquela criação nos mostrou que não: não era mais possível viver em um contexto de incerteza, sem respostas aqui e agora, que esperar para produzir amanhã era perda de tempo e de dinheiro. Esses argumentos nos sensibilizaram e nós, então, concordamos com a revolução tecnológica associada ao Smartphone.
Citamos um exemplo, gastamos um parágrafo e eu acho que você entendeu o ponto. A escolha de aderir a tecnologia foi nossa. A escolha de atender às urgências que ela midiatiza foi nossa. Ninguém impôs o uso, mas todos estavam usando e quem não usa a tecnologia não tem a possibilidade de existir naquele meio.
Isso é perverso? Criativo? Inovador? Moderno?
As qualificações podem ser múltiplas e podem variar no tempo/espaço mas tratam de um fato.
Esses três atores, tecnologia, criadores e usuários, se conectam e formam o que chamamos de agência, que a grande mobilização que fazemos das coisas para definir o modo como vivemos. O que ocorre, por vezes, é que essa agência serve como argumento para coisas distintas, como por exemplo, dizer, no senso comum que as tecnologias são a fonte de todos os problemas. Ou ainda, que o poder está apenas na mão de quem está em posições hierárquicas tidas como superiores.
Nestes exemplos, nós tratamos pelo menos uma das instâncias da agência como neutra, passiva, sem interferência. Mas será que é assim mesmo? Vamos considerar que no seu feed do Facebook, hoje, você teve acesso a determinada sequência de posts de amigos e páginas que talvez você nem lembrasse ou que talvez você tenha sinalizado para ver primeiro. Em ambos os casos, efetivamente ver, sentir, interagir, responder, tudo isso dependerá de uma escolha sua. O que quero dizer? Que o meio, no caso o Facebook, tem influência na definição do que apresenta para você, mas o modo como você responde a esse meio, isso é uma escolha sua.
Não faz sentido? Pois pense no seu dia a dia: quantas vezes você enfatiza determinados fatos em detrimento de outros? Por que você faz isso? Porque você escolhe as prioridades do momento, por mais que o contexto tente instigar outras prioridades. Gerenciar essas prioridades não é fácil e, por isso, em geral, ao invés da tão almejada produtividade, temos perda de tempo, erros e repetições.
Em síntese, talvez o algoritmo* programado para definir quais notícias você terá acesso funcione numa tentativa de limitar sua linha de prioridades. Talvez as escolhas previstas algoritmicamente não sejam suficientes à sua vontade de entender e conectar os fatos. O ponto chave é como você se relaciona com o algoritmo, com o programado, com o imposto. Você aceita, questiona ou subverte?
Se queremos que a agência seja completa e complexa na construção da sociedade, talvez esse seja o momento de mudar a relação com os diferentes algoritmos mostrando a eles que pode haver discordância acerca de chefia, rapidez, custo e qualidade no trabalho e qualquer outra dimensão humana. A escolha também é nossa.
Referências
https://www.infomoney.com.br/carreira/emprego/noticia/8290201/o-chefe-do-futuro-vai-ser-um-algoritmo
* optamos por incluir esse texto para orientar o entendimento do que seja o tal algoritmo. https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/30/tecnologia/1522424604_741609.html
Imagem: Pixabay