Por Gislene Feiten Haubrich

E assim, do nada, o trabalho remoto virou hit. Ainda é cedo para falar dos efeitos que a pandemia Corona terá às formas de organização do trabalho [e às nossas vidas], mas o que está em evidência são as dificuldades e o despreparo para a modalidade virtual do trabalho.
Para exemplificar o tamanho do pepino, nessa matéria, o portal Baguete mostra como empresas de tecnologia, que supostamente ofertam soluções de trabalho remoto para outras empresas, não estão preparadas para que seus colaboradores trabalhem fora das suas estruturas.
Antes do Covid-19, no Brasil, 25% dos trabalhadores usavam o recurso e trabalhavam em casa pelo menos uma vez por semana. (Divulgado pelo portal Adoro Home Office aqui). Em relatório divulgado pela Convenia e ahgora, em 2019, 63,6% das empresas ainda não possuíam política de trabalho remoto. Nos EUA, de acordo com o site Flex Jobs, entre 2005 e 2017, o crescimento em relação ao trabalho remoto foi de 157%. Ainda conforme pesquisa desse portal, em fevereiro de 2020, 4.7 milhões de americanos (ou seja 3.4% da população) optaram pelo trabalho remoto, especialmente nas áreas de engenharia de software e contabilidade.
Entre os desafios para o teletrabalho estão ainda questões de comunicação e cultura das organizações. Para esses dois aspectos vamos dedicar atenção aqui. Se você acessou a pesquisa que mencionamos anteriormente, você deve ter visto que a “cultura da empresa é o principal fator limitante” para que o trabalho remoto se efetive na empresa”. Mas o que isso significa? Embora a pesquisa não explicite, podemos supor que o entendimento do que significa trabalhar virtualmente, por parte de trabalhadores e organizações, ainda não está claro: a empresa deve subsidiar a formação do ambiente laboral necessário para que o trabalhador desenvolva sua atividade para ela? O trabalhador deve arcar com todas as despesas?

Outra pulga atrás da orelha evidenciada pela cultura organizacional é a necessidade de controle externo. Parte-se do pressuposto de que as pessoas não sabem se portar, ficando ainda mais alheias às distrações. O que vemos é o deslocamento dos problemas tradicionais em relação às pessoas no trabalho para a compreensão do home office. Por certo, precisamos considerar que não são todas as pessoas que estão dispostas ou interessadas em trabalhar remotamente, mas mesmo para aquelas que estão abertas a isso é necessário educação. Quer dizer: orientação para que entendam, gestores e demais trabalhadores, onde estão se enfiando.
Para que se trabalhe de modo eficiente na modalidade remota é necessário colaborar. E aqui é importante lembrar que há uma diferença entre colaborar e compartilhar. Enquanto a segunda está muito mais voltada a elementos com algum nível de materialidade (informação textual, por exemplo), a primeira está voltada ao relacionamento, ou seja, à construção de algo a partir do que foi compartilhado. Quais seriam os meios de melhorar a colaboração no trabalho remoto? Precisamos começar pela comunicação. Ela é central em qualquer dimensão da nossa vida humana desde que resolvemos viver coletivamente. É provável que organizações que tenham dificuldades em conduzir os processos comunicacionais reproduzam essas práticas truncadas no ambiente virtual, e aqui temos o primeiro grande problema. Se as pessoas não estão habituadas a conversar, elas podem ter restrições a se comunicar com demais colegas, ainda que tenham uma estrutura tecnológica excelente à sua disposição. De acordo com um estudo divulgado no portal MIT Sloan, as pesquisadoras Sharon Hill e Kathryn M. Bartol destacam que a performance de uma equipe virtual depende do modo como as pessoas usam as tecnologias e não da tecnologia em si.
A partir dos resultados da investigação, Hill e Bartol destacam dicas para melhorar as questões de comunicação:
1) adequar tecnologia de comunicação à tarefa ser realizada
Há uma variedade de ferramentas à disposição, mas pessoas tendem a escolher aquela com a qual estão mais familiarizadas. Qual seria a melhor opção para a tarefa que precisa ser realizada? E por tarefa é necessário ter a dimensão completa em torno dela: qual o objetivo a ser alcançado? Quantas pessoas estão envolvidas? Qual o nível de decisão que cada uma das pessoas tem em relação à conclusão da tarefa? Entre outras questões.
Para as autoras, ferramentas como e-mail, chats e boletins, são indicadas para atividades cujo propósito é o compartilhamento de informações cotidianas, planos, pesquisas rápidas e objetivas. Ferramentas como web conferência e videoconferência são adequadas para o engajamento das pessoas na solução de problemas, negociação e compartilhamento de diferentes pontos de vista.
2) expresse claramente seu propósito
Considerando que o texto é um dos principais meios de interação, precisamos lembrar que estão implicadas aí a interpretação, que pode gerar incompreensões e, por sua vez, os conflitos. A pesquisa realizada por Kristin Byron evidenciou que o texto de um e-mail tende a ser interpretado por negativamente pelo receptor. Ainda que o emissor use um tom considerado positivo, a compreensão tende a ser de neutra a negativa. Críticas também tendem a ser interpretadas de modo mais intenso quando enviadas por texto.
Diante disso, Hill e Bartol recomendam que se revise as mensagens enviadas a fim de validar a clareza das informações, além de dar destaque aos pontos mais importantes, ter cuidado com o tom investido, podendo-se inclusive adicionar elementos textuais e gráficos (emojis), posto que podem atenuar o sentimento de negatividade no momento da leitura.
3) mantenha as pessoas atualizadas
Sempre que possível é fundamental incentivar as pessoas a compartilharem o andamento de suas atividades, encorajando-as a relatarem o contexto atual que enfrentam. Confirmar o recebimento de mensagens, conceder o benefício da dúvida e estimular a atualização constante da equipe em relação a decisões e andamento dos negócios também são medidas importantes para que o trabalho remoto seja produtivo e benéfico às pessoas.
4) seja responsivo e apoiador
Confiança: termo chave para o sucesso das equipes remotas. Para construir a confiança, sugere-se encorajar as pessoas a responderem aos chamados interacionais tão logo seja possível, dedicar tempo para trocas de perspectivas em relação ao trabalho (feedback entre colegas), apoiar a solução de problemas e incentivar o diálogo.
5) seja aberto e inclusivo
As equipes remotas tendem a agregar pessoas com diferentes histórias e bases culturais. A diversidade é fonte de criatividade e compartilhamento de ideias. Entretanto, o uso inadequado das ferramentas associado ao encorajamento inadequado de compartilhamento de informações pode dispersar esse potencial. Nesse sentido, uma estratégia interessante é envolver as pessoas da equipe em decisões importantes, incluindo-as como parte da construção do olhar a situação e resolução. Instigar a apresentação de seus pontos de vista e experiências anteriores.
Como já mencionado, a interação humana é um desafio seja para equipes que se encontram presencialmente quanto virtualmente. Num mundo onde as barreiras entre on e offline praticamente inexistem em diversas dimensões da vida, e que já cobrava muito das pessoas em relação à disponibilidade permanente, aprender a lidar com essa parafernália tecnológica enquanto ainda não aprendemos a lidar com gente é um ponto de interrogação que convida à escolha. Qual caminho visamos? Onde pretendemos que o trabalho nos leve enquanto humanidade? Que entre o tempo dedicado ao office possamos avaliar e definir o que home significa.
Crédito das Imagens: Pixabay