Coffee and Work

Futuro do trabalho virou um daqueles jargões que, ao lado de “novo normal”, a gente quase não aguenta mais ouvir. Entretanto, ao observar essas reflexões, eu tenho a sensação de que elas avançam pouco na possibilidade de construção de futuros diferentes daqueles valores que vem baseando a nossa vida social há mais de um século. 

Trabalho ainda é percebido apenas como produção de capital, como venda de nossa força para que objetivos de empresas – o lucro – sejam atendidos.

Entretanto, há algumas décadas já avançamos no entendimento sobre o trabalho, enfatizando a dimensão da atividade, do engajamento de nossos saberes à realização de alguma tarefa que nos é delegada ou que nós escolhemos delegar a nós mesmos. Essa perspectiva, avança no sentido de reconhecer que ao realizarmos algo humano, estamos envolvendo um corpo, sua história, seus anseios, medos e convicções. Mas pense um pouco: você vê esse tipo de reflexão quando se fala de trabalho?

Para ilustrar essas representações de trabalho que andam pipocando por aí, vamos fazer uma série de textos que reflete sobre o conceito de trabalho sendo difundida e perpetuada por diferentes narrativas. A primeira reflexão que propomos decorre da proposta do registrada no livro “Human + Machine”, ou “Humano + Máquina”, de Daugherty e Wilson, publicado pela Editora Harvard Business, em 2018.

Os autores são executivos da Accenture, empresa consultora de gestão, tecnologia da informação e outsourcing. Bom, a leitura desse livro já foi indicada em uma das nossas News, enviadas todo o mês, e por mais que tenhamos receios em relação às intenções dos autores em apresentar sua visão para o futuro das tecnologias no trabalho, a leitura é válida, pois ela apresenta muitos fatos em relação aos usos tecnológicos que já estão em prática. Não podemos refutar fatos, mas aprender com a existência deles, especialmente a dialogar sobre diferentes possibilidades.

Bom, nesse livro, os autores reforçam duas ideias principais: 1) a necessidade de buscarmos uma colaboração entre humanos e máquinas. Para usar o termo repetidamente acionado: simbiose. 2) A segunda ideia se refere à existência de um meio ausente (missing midle) nesse processo. Ou seja, estamos focando demais em questões como o que o humano faz melhor ou o que a máquina faz melhor e desconsideramos que muitas atividades dependem da soma de ambas as habilidades. Então, para ambos, humanos e máquinas, existem atividades que são potencializadas pela simbiose desses dois atores no contexto do trabalho.

De acordo com a proposta dos autores, entre as contribuições que a prática humana pode trazer às máquinas estão a possibilidade de TREINAR, EXPLICAR e SUSTENTAR. Para que possamos enxergar melhor o que eles mencionam, exemplificamos.

A dimensão do treinamento pode ser vista já na divisão da Amazon Mechanical Turk. Nesta atuação, humanos recebem uma baixíssima remuneração para treinar algoritmos com diferentes propósitos para reconhecer padrões em imagens, textos e etc. Já existem muitos artigos e livros que rebatem essa nova onda de profissões pela dimensão de exploração do indivíduo. Eu não vou aprofundar aqui essa questão, pois nós temos espaço limitado, mas vamos retomar essa discussão em outro momento – inclusive, reforçamos o convite a todos para estarem conosco no dia 28 de outubro, em nosso canal no YouTube, com o Rafael Grohmann, falando sobre trabalho em plataformas como essa.

A questão do explicar, por sua vez, liga-se mais a um papel de supervisão humana em relação aos resultados catalogados pela inteligência artificial, por exemplo, em um banco, quando se vai definir se a pessoa receberá ou não um empréstimo. Por fim, a dimensão do sustentar vincula-se, especialmente, às questões éticas: até onde as tecnologias podem ir? Como as máquinas podem tomar decisões?

Por outro lado, os autores também abordam a possibilidade de as tecnologias nos tornarem “super-humanos”, ou humanos com “superpoderes”, pois elas podem ampliar as nossas capacidades. É o caso dos exoesqueletos, que permitem que nós possamos carregar mais peso com menos danos ao nosso corpo físico, além de interagir de maneira mais múltipla e incorporar diferentes tecnologias para aumentar nossas capacidades orgânicas. Inclusive, já notamos alterações em relação a nossa configuração biológica.

Mas e o trabalho? Ele permanece como pano de fundo, como resultado dessa relação entre humanos e tecnologias, algo que já existe desde a idade da pedra. Não vemos uma mudança de perspectiva de trabalho, mas a manutenção das raízes apenas na produção, colocando o processo como algo dado e menos relevante. Mas como esse humano aprende a lidar com essas mudanças? Como ele percebe e organiza o mundo ao seu redor? Como o processo de aprendizado pelas práticas da leitura e da realização das prescrições – trabalho – implica esse humano? Quais emoções fazem parte desse processo?

O trabalho é uma importante dimensão educacional dos indivíduos. Ainda que tenhamos dado ênfase à essa parte funcional e visível, há toda uma base invisível que, de fato, nos define como humanos e que precisamos desenvolver. Assim, com essa primeira narrativa, percebemos que pensar no futuro com base em valores cristalizados contrapõe a própria ideia de inovação tão almejada.

Nos próximos textos vamos considerar outras narrativas para pensar nesses aspectos. Enquanto isso, seria muito bacana ouvir você sobre essas questões! Deixe seus comentários e vamos dialogar!

Até breve!

Gislene Feiten Haubrich é Doutora e Mestre em Processos e Manifestações Culturais. Dedica suas investigações aos estudos comunicacionais no contexto das organizações sob os enfoques da Ergologia, das teorias Bakhtiniana e Discursiva. Fale com: gislene@coffeeandwork.net.  

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