
Vocês lembram que há algum tempo falamos do conceito de “normalidade fabricada”, proposta pelo pensador Venkatesh Rao? Se você ainda não assistiu ao nosso vídeo talvez queria conferi-lo antes de avançar nessa leitura. Clique aqui e confira em nosso canal do YouTube.
A definição de uma normalidade fabricada implica o sentimento de que estamos vivendo um presente constante, sendo ao futuro sempre reservada a posição de grandes marcos ou algo distante. Futuro é quando concluirmos nossa faculdade, quando iniciarmos família, quando trocarmos de emprego, quando realizarmos aquela viagem… Enfim, a partir de uma compreensão de que o futuro se materializa apenas mediante o alcance de metas a longo prazo, faz com que nós não percebamos ou com que a gente trate as próximas horas e dias como se fossem o agora e não o futuro.
Então, o ponto inicial é dar-se conta que o futuro é daqui um segundo e não daqui 13 anos, quando, de acordo com a série Upload já será possível ter a continuidade da vida após a morte, de acordo com a sua capacidade de franquia de dados – falamos dessa série em nosso segundo texto sobre representação do trabalho e você pode ler aqui. A ideia é pensar que nosso futuro decorre na sequência das ações concretas vividas no aqui e no agora.
Como podemos, então, criar narrativas que nos apoiem nessa construção de futuro que podemos realizar em nosso micro contexto?
Vamos chamar o cientista Roy Amara ao diálogo. Ele propôs um diagrama para elaborarmos nossas perspectivas de futuro. Esse diagrama é composto por projeções de futuros possíveis, prováveis e preferíveis. Importa dizer que esses conceitos são altamente contextuais, quer dizer: eles dependem do esforço de cada visionário, de cada um de nós sobre nós mesmos, para olhar seu contexto e predizer as três dimensões. Para facilitar a imaginação dessa proposta, pense em uma linha reta. Ela corresponde ao futuro provável, decorrente de uma sequência linear de decisões que, baseada em nossa estrutura sociocultural, provavelmente se concretizará. A visualização mais simples: seu pai é médico e o caminho mais provável é que você se torne médico, já que há uma certa base bastante sustentável para que você escolha seguir esse caminho.
No entanto, você pode vislumbrar diferentes possibilidades, não necessariamente permanecendo naquela linha esperada. Para isso, precisamos considerar os futuros possíveis, que são aqueles eventos que reconhecemos estar em nosso arco de escolha e que são capazes de instigar a nossa vontade de buscá-los, não importa o tipo de dificuldade que se apresente. Por exemplo, se você nasceu em uma zona vulnerável de uma cidade, quer dizer, a mercê de violência, mas ainda assim você teve outros tipos de experiência na escola ou por meio de filmes, séries, literatura, e essas experiências sustentam você na visualização de possibilidades, você pode escolher seu planejamento de futuro com base nisso. Assim, para além da linha reta, conectada de antemão, precisamos lembrar que a linha é feita de vários pontos e que cada ponto pode nos levar a uma situação diferente.
Por fim, uma vez que reconhecemos diferentes possibilidades, podemos analisar e escolher aquelas que sejam de nossa preferência. Os futuros preferíveis decorrem dessa nossa capacidade escolha sem arrependimento, pois está baseada em uma análise de múltiplos cenários e que apoiam o nosso plano passo a passo, em constante revisão, rumo aquilo que efetivamente consideramos preferível para estabelecer como nosso percurso nessa trajetória de vida.
Mas como colocar isso na prática? Stuart Candy, anos mais tarde, propôs um esquema que viabiliza uma prática mais simples ao conceito de Amara. Esse esquema contempla 3 etapas:
O primeiro passo implica em mapear o espaço de visualização temporal.
Como assim? É preciso definir exatamente qual ponto tomaremos como base para pensar em nosso futuro e, então, observar como esse fenômeno veio se transformando até chegarmos ao entendimento que temos sobre ele hoje. Ele exemplifica com o computador. Do surgimento das máquinas que ocupavam uma sala inteira aos smartphones, como foi a evolução dessa máquina? Como fomos nos apropriando dela?
Se pensarmos no trabalho que realizamos hoje, podemos nos questionar: como escolhemos a profissão que cerceia esse trabalho? Como fomos os apropriando dele? Como podemos entender nosso trabalho agora?
O segundo passo é reconhecer que assim como escolhas foram feitas e definiram como as coisas são atualmente, múltiplas escolhas se apresentam em nosso caminho a cada dia. Avançar rumo ao que queremos implica termos clareza de quais escolhas nos aproximam dessa projeção preferível de vida que temos e quais nos afastam, nos conduzindo a outras possibilidades.
Aqui, no terceiro passo, entram os três elementos apontados por Amara: possível, preferível e provável. A proposta é olharmos, a partir do que coletamos de informação nas etapas anteriores, e escolher como trilhar os próximos passos rumo aquilo que está a nossa disposição. Assim, quando olhamos para os caminhos disponíveis, qual deles nos leva a explorar as possibilidades, inclusive aquelas que não somos capazes de ver, ainda, claramente no momento, mas que que são possíveis? Qual desses caminhos nos leva às nossas preferências, aquilo que mais ou menos temos em mente, ainda que não saibamos claramente onde ele está? Por fim, o caminho provável, aquele mais linear, que nós conseguimos predeterminar, pois as coisas acabam como ciclos que se repetem?
Gostaria de convidar você a prosseguir o seu caminho com essa reflexão em mente. Gostaria de convidar você a trilhar seus caminhos com base nas suas escolhas, que não são ao esmo, mas sustentadas na reflexão e no encadeamento de ações, não necessariamente lineares, mas que podem nos levar a destinos para além dos prováveis. O que você acha?

Gislene Feiten Haubrich é Doutora e Mestre em Processos e Manifestações Culturais. Dedica suas investigações aos estudos comunicacionais no contexto das organizações sob os enfoques da Ergologia, das teorias Bakhtiniana e Discursiva. Fale com: gislene@coffeeandwork.net.