Coffee and Work

Quem está nos acompanhando em nossa webserie Trabalho Empreendedor já está a par da perspectiva de empreendedorismo que gostaríamos de encorajar as pessoas a experimentar. Não que outros pontos de vista não sejam relevantes ou ultrapassados, mas por vezes eles promovem uma perspectiva mecânica em relação ao ato de empreender.

Fonte: Pixabay

Você pode perguntar: mas qual o problema de ver as coisas de forma linear e de modo funcional? Eu responderia: não há nenhum problema, mas é provável que você vá adoecer. Neste texto, gostaria de convidar você a pensar sobre alguns pontos que justificam essa resposta triste que acabei de propor.

Primeiramente, você já deve saber da aceleração das coisas. A sensação compartilhada por quase todas as pessoas é que não há tempo suficiente para fazer todas as coisas, que estamos sempre correndo atrás e que não há recursos suficientes para nos sustentar na posição de ponta por muito tempo. Afinal, quem nunca ouviu alguém dizer: “Nossa, eu precisava de um dia com 36, 48, 72 horas”.  Talvez você mesmo já tenha utilizado essa expressão. O ponto é: quando chegamos a esse tipo de constatação, temos aí um sinal amarelo avisando que em breve uma ruptura deve acontecer. Por isso, pode ser um momento para promover essa ruptura você mesmo, pois ela implica o tipo de controle mais importante: o autocontrole. Ele não precisa ser punitivo ou restritivo, mas sim, reconhecer que temos um corpo orgânico que tem limitações e precisa de cuidados. O autocontrole também é importante para que possamos tomar uma distância e apreciar nossa capacidade de olhar para os eventos e aprender a partir deles.

Esse ponto nos conduz ao segundo: você já parou para pensar quais critérios andam definindo as suas decisões enquanto empreendedor? Você já considerou como a sua relação com o tempo, tanto em organização quanto em experiência, está sendo definida? Esses critérios são os valores que nós aprendemos a acionar sempre que precisamos tomar uma decisão. A mecanicidade do tempo e das relações pode fazer com que a gente não tenha atenção a esses pontos e que passemos a atuar “no piloto automático”, quer dizer: fazendo as coisas a fim de riscar os itens da lista sem considerar a relevância ou o impacto que elas têm no nosso corpo. Noites com sono agitado, ausência de foco, dificuldade de manter uma conversa sem ficar olhando para o relógio, com medo se atrasar para o próximo compromisso. Você já experimentou alguma dessas sensações?

Ou você nem percebeu, nunca parou para pensar sobre isso? Talvez seja um bom momento para dar-se esse tempo. Por alguns minutos, tente se desligar do que está se impondo, todo o contexto. Por alguns minutos observe como respira, como mastiga, como estão as suas mãos e seus braços.

Fiz esse exercício há alguns dias e fiquei assustada. Eu não havia percebido que a minha respiração estava curta e ao final meu peito pesava. Fique realmente assustada, pois a pressão da vida mecânica, das metas não alcançadas, a tristeza de toda a situação exterior havia impactado uma das funções básicas do meu corpo, que supostamente ele sabia fazer sozinho. No entanto, não é fisiologicamente normal sentir um peso ao chegar no limite da inspiração. Mas eu só percebi esse ponto e outros, pois comecei a prestar atenção ao meu corpo, orgânico, cognitivo e cultural. Eu não respirava como antes, não interpretava/ aprendia como antes e não contribuía ao meu entorno como antes. Estava a passar os dias, não a vive-los. Estava a empreender por metas e objetivos, enquanto a percepção de como a minha atividade era realizada estava jogada de lado. O resultado: minhas ações estavam cada vez menos efetivas.

Esse contexto é apenas para mostrar a relação entre empreender e trabalhar. Trabalho é atividade humana, é engajar nosso corpo como um todo na realização de algo que é demandado a nós pela sociedade. Podemos escolher entre inúmeras possibilidades para atender ao pedido de contribuirmos e produzirmos riquezas para o mundo. No entanto, precisamos ter em mente que as riquezas são resultados exteriores, vistos pelo mundo, mas que como um iceberg, tem toda uma base valorativa e singular que os sustenta. Se essa base não está bem cuidada, possivelmente os resultados também não estarão.

Assim, para encerrar essa reflexão, vamos deixar 5 dicas que podem ajudar você nesse processo de entender a sua atividade empreendedora, seja no escopo que for: em um projeto, um negócio, uma empresa.

  1. Desenvolva autocontrole, quer dizer: viva o agora.
  2. Preste atenção aos sinais físicos do seu corpo.
  3. Reserve alguns momentos de silêncio na sua agenda. Não pense nas demandas, mas observe o que está ao seu redor naquele momento.
  4. Reflita sobre os critérios que apoiaram você na tomada de decisão que trouxeram você onde está.
  5. Lembre-se, você é o seu trabalho, sua atividade. Você não é a empresa, o produto, o emprego, o desemprego, a remuneração.

Gislene Feiten Haubrich é Doutora e Mestre em Processos e Manifestações Culturais. Dedica suas investigações aos estudos comunicacionais no contexto das organizações sob os enfoques da Ergologia, das teorias Bakhtiniana e Discursiva. Fale com: gislene@coffeeandwork.net.