Por Gislene Feiten Haubrich
Em 2017, o Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum), uma organização dedicada à cooperação internacional público-privada, deu início ao projeto “Preparação para o Futuro do Trabalho” (Preparing for the Future of Work).

Desde então, vários artigos, discussões e vídeos foram preparados para dar suporte às sociedades na condução da discussão sobre esse tópico, que tem sido constantemente nomeado, ainda que não tenhamos uma real dimensão das suas implicações.
Para o Fórum, os aspectos centrais da discussão sobre o futuro do trabalho versam sobre:
Tecnologia
acelerada produção de recursos que visam aprimorar tarefas realizadas, sem ou com, intervenção tecnológica de modo distinto;
Globalização
transformações demográficas e geopolíticas;
Habilidades
a serem repensadas e aprimoradas, o que implica a realocação das pessoas considerando as possibilidades de aproximação entre humano e máquinas.
Não há dúvidas que, na perspectiva macro, estes três aspectos tenham uma influência determinante no processo de constituição e desenvolvimento social. Tais aspectos convergem com o posicionamento assumido pelo Fórum nesta discussão, enquanto “provedor de uma plataforma neutra que visa encorajar agentes [leia-se organizações] públicos e privados, assim como a intra e inter colaboração em indústrias, na promoção de uma adaptação eficiente para o Futuro do Trabalho”.
Cabe então a pergunta:
estamos falando de trabalho ou de emprego?
Essa questão tem eco nas diferentes dimensões que são debatidas e compreendidas pelas discussões realizadas pelo Fórum, por outras agências de notícias, pelo espaço acadêmico, no cotidiano, mediante opiniões altamente emotivas, sejam baseadas em argumentos depreciativos ou enaltecedores.
Essa pequena introdução tem como objetivo apresentar ao leitor a fonte da nossa inspiração para a reflexão de hoje: a matéria produzida pela escritora Emma Charlton para o portal do Fórum, em 14 de janeiro de 2019, titulada “Estas são as 10 habilidades mais demandadas em 2019, de acordo com o LinkedIn” (These are the 10 most in-demand skills of 2019, according to LinkedIn). A lista começou a ser propagada no dia 1º de janeiro de 2019, em matéria de Paul Petrone, na página educacional do LinkedIn (Learning.Linkedin.com). Para chegar aos números que apresenta, o LinkedIn utilizou dados da rede, especialmente aqueles oriundos de perfis de pessoas que estavam sendo contratadas naquele período. [Provavelmente essa caça aos dados teve ajuda de alguns robozitos, mas isto não está claro no texto].
Bom, caso você não tenha visto esta lista, já deve estar nervos@ pela minha demora em comentá-la, mas tudo tem uma razão. Vamos a lista então.
A lista é dividida em duas partes, entre as tais soft skills (habilidades comportamentais) e hard skills (habilidades técnicas). Apesar da tradução adotada e convencionada, comportamento e técnica não me parecem termos que estão à altura do que soft e hard poderiam significar. Em todos os casos, quando vemos a lista, até podemos aceitar essa nomenclatura.
As Soft Skills [cinco no total] estão no âmbito das pessoas, dos comportamentos individuais, das escolhas particulares dos indivíduos e compreendem: criatividade, persuasão, colaboração, adaptabilidade e gestão do tempo.
As Hard Skills, por sua vez, congregam 25 habilidades no total, no âmbito macro, tecnológico e resultante das habilidades “suaves”. Vamos citar apenas as cinco primeiras: computação na nuvem, inteligência artificial, raciocínio analítico, gestão de pessoas, design inspirado na experiência do usuário.
Qual a sua impressão ao olhar essa lista?
Vou comentar a minha, baseada na minha trajetória de trabalhadora e pesquisadora do tema. Entretanto, como em tudo na vida, não temos uma resposta absoluta, o que é excelente! É na diversidade dos pontos de vista que podemos enriquecer nossa experiência e transformar os modos como vivemos nossas vidas, seja qual for o aspecto: família, trabalho, escola/faculdade, etc.
As consideradas Hard Skills, ou habilidades técnicas, na verdade envolvem pelo menos duas vertentes de desenvolvimento: por um lado tratam-se de tecnologias que são aprimoradas diariamente nos diferentes campos. Por outro lado, elas se referem a um conjunto de saberes e habilidades comportamentais, que deram origem e dão continuidade a sua estruturação. Percebemos, então, que as chamadas habilidades técnicas, conforme mencionadas pelo estudo do LinkedIn, não consideram essas duas vertentes, mas o modo como elas se impõem ao exercício laboral dos indivíduos.
Nesse caso, apesar de falarmos em uma mudança de mentalidade para preparação aos desafios que as tecnologias vêm agregando ao processo de trabalho, mantemos o mesmo enfoque da imposição do todo sobre o indivíduo. Mas será que ainda podemos conceber um mundo onde o indivíduos são massas que podem ser moldadas à revelia, sem vontade própria ou decisão? Será que desse modo estaremos, de fato, “adaptando-nos” ao futuro? Estaríamos apenas nos adaptando ou seríamos protagonistas nesse movimento? Até que ponto nos vemos protagonistas locais que escolhem, ou não, se colocar como engrenagens globais? E o mais importante:
Até que ponto temos interesse na responsabilidade envolvida no assumir nossas possibilidades de escolha frente aos contextos?
Nesse ponto, as soft skills, ou habilidades comportamentais, são cruciais, pois estão no campo das nossas escolhas. Mas será que nosso agir no cotidiano contempla apenas cinco habilidades? Se considerarmos aquelas outras duas vertentes, acredito que essas cinco habilidades, por mais complexas que sejam, ainda são superficiais para compreender o universo humano.
Bom, mas para manter nossa reflexão no escopo proposto pelo estudo do LinkedIn, será que entendemos o que aquelas cinco soft skills significam? Cabem as questões: o que entendemos por colaboração? E por criatividade? Por adaptabilidade?
No meu ponto de vista, não buscamos entender essas habilidades como resultados dos valores que sustentam as nossas condutas, mas as vemos como “coisas” que podemos comprar. Quem nunca ficou tentado por aquele tipo de livro/curso: “seja criativo em 10 lições”, ou “aprenda a persuadir as pessoas para conseguir o que quiser”. Em ambos os casos, criatividade e persuasão são meros opcionais que podemos incluir na nossa lista de habilidades. Infelizmente, o buraco é mais embaixo.
Por óbvio, existem cursos, formações de vários estilos, que podem estimular nossa compreensão acerca da criatividade, a entender os motores de nossas ponderações e comportamentos no processo de criação de uma solução criativa. Mas o êxito desse processo tem de ir além da utilidade situada: esse processo implica aprendizado de si e do outro. Se pensarmos em aprender apenas sob a perspectiva funcional, logo o aprendizado se esvai, nós perdemos o tesão pela atividade e caímos na velha sentença: “eu não sou criativo. Já tentei e não consigo”.
Bom, para voltar ao texto do LinkedIn e à retomada pelo Fórum, podemos perceber a dificuldade em tratar das soft skills diante do modo como elas são exemplificadas e mencionadas. Será que frases simples contribuem para nosso entendimento ou culminam por criar um clima tenso e de dúvida? Vamos citar o exemplo da habilidade mais requisitada aos indivíduos para o ano de 2019, criatividade:
“Embora os robôs sejam excelentes para otimizar ideias antigas, as organizações precisam de funcionários criativos que possam conceber as soluções de amanhã”. (LinkedIn)
O que essa frase significa para você? Eu poderia fazer inúmeras perguntas sobre ela para você, como: será que estamos concebendo as organizações como há 10 anos? Ou ainda: será que as gerações Y e Z [e mesmo a X] aceitam ser definidas como “ferramentas” nas mãos das organizações, “vendendo” ideias como se fossem sapatos? A gente cria uma “aura” em torno do robô, como se fosse uma entidade e aceitamos nossa posição ferramental. Em termos de emergência organizacional, vemos que as startups, por exemplo, têm se desenvolvido em ambientes distintos de grandes corporações. Temos o coworking como arranjo organizacional em amadurecimento nos diversos cantos do globo.
Mas pergunta principal: você é capaz de explicar o que é criatividade a partir desse texto de apoio proposto pelo LinkedIn? Eu não. E apesar de todos os cursos indicados na matéria, penso que se não somos capazes de explicar, de modo claro e direto, uma ideia, então, não temos preparação suficiente para compreender aspectos mais densos.
Assim, antes intensificar nossas energias aprendendo sobre inteligência artificial ou sobre computação em nuvem, será que não seria importante considerar as tais habilidades comportamentais? Você já parou para pensar que pode estar com dificuldade para entender algo técnico simplesmente porque não sabe como é o seu processo de aprendizagem e seus desenvolvimento intelectual/ comportamental?
Pensando nesses aspectos, a Coffee and Work vai preparar mais um especial, a partir do dia 1º de abril, sobre cada uma das cinco habilidades comportamentais mencionadas pelo estudo do LinkedIn. Não se preocupe! Mais adiante vamos tocar nas hard skills também.
Aguardo você para dialogar sobre esse tópico!
Envia as tuas sugestões e vamos construir um conteúdo muito bacana!

Imagem: Pixabay