Por Gislene Feiten Haubrich

Este é um projeto dedicado às reflexões sobre o trabalho e como podemos mudar nosso vínculo com ele. Daí vem a palavra “Work”. Mas somamos a palavra “Coffee”, que é um convite à parada, à reflexão e ao diálogo. Com este texto, quero tomar um café com você e conversar. Não sei você, mas eu tenho tido desafios intensos para lidar com esses eventos de nosso mundo de maneira à transpor dificuldades e instabilidades.
Meu corpo tem dado sinais de desgaste orgânico como dor de estômago, dores de cabeça, tremores e outros tantos. Eu sei que não estou só nesse mar. É por isso que nos últimos dias, no Instagram @coffeeingwork, falamos sobre lidar com pessoas tóxicas e construção da percepção do nosso entorno.
Vivemos no que chamam de mundo pós-moderno, o que traz maravilhas em termos de oportunidades, de diversidade, de tecnologia e de percursos a seguir. Entretanto, a mente moderna, que busca a fixidez, a manutenção de padrões, de tradições e de valores está mais viva do que muitos queremos crer. Muitos, como eu, devem ter se encantado com a narrativa pós-moderna e agora enfrentam o desgaste de ver uma disputa em movimento. Aprendemos que em batalhas existem vencedores e perdedores. Mas quem vence e quem perde quando devastamos recursos naturais, quando sancionamos ou praticamos violência, quando ignoramos a construção de conhecimento?
Vemos um grande mar de pessoas perdidas, pois concebemos os fatos de maneiras tão diversas, mas não aprendemos a colocar as versões em diálogo. Estamos todos defendendo o nosso quinhão, como diriam lá no sul do Brasil. Na via oposta do que previam os pensadores do pós-moderno, presenciamos a repetição de erros em tomadas de decisão, mas não ponderamos que os eventos que nos envolvem são outros. Podemos negar a globalização, mas ela é fato em maior ou menor proporção há longa data. Podemos negar que a Terra seja redonda, mas as provas contundentes mostram que essa discussão é perda de tempo e retrocesso.
Desse pequeno desabafo, que narra elementos que tem consumido meu corpo orgânico, eu tenho procurado chaves para mudar o enfoque sem perder a conexão com os fatos. Aprendendo a ler versões e interpretá-las, compreendendo como elas se somam à forma que eu vejo o mundo e organizo as coisas ao meu redor. Tem sido um desafio diário: lutar contra aquilo que tenta consumir princípios, valores, a crença no ser humano.
Como potencializar as experiências que geram impactos hormonais positivos no meu corpo? Como desestruturar aqueles pensamentos que culminam com aumento do cortisol e outros hormônios do stress?
Nessa busca, esses dias acabei por cruzar com esse vídeo do Simon Sinek no LinkedIn e desde então venho pensando nas palavras dele. À ocasião, ele explicava a diferença entre inspiração e motivação, entre ser positivo e ser otimista. Você pode assistir ao vídeo (em inglês) logo na sequência.
"Otimismo é sobre estar no túnel escuro e ver uma luz ao final. É sobre colocar o foco na luz e não no túnel. Otimismo não é negar os fatos, mas acreditar que seguirmos o caminho, encontraremos a luz".
Vamos retomar algumas ideias para construir nossa percepção sobre como fazer nosso corpo orgânico resistir a tantas pressões e desafios do nosso tempo, complexo por si só, mas ainda mais difícil pela guerra de versões, pela disputa contra vírus e outras doenças que acometem essa constituição de células, tecidos e, por enquanto, nenhum chip, placas ou processadores.
Sinek diz: “Tudo começa pelo por que”. O que nos inspira é aquilo que nos faz levantar todas as manhãs, o que faz nosso peito aquecer e nosso olho brilhar. Por que fazemos o que fazemos? Esse é o primeiro ponto para entender o que nos inspira.
A motivação é diferente, ele diz. A motivação vem de questões exteriores, tende a ser temporária, e pode, inclusive, ser decorrente de questões violentas, como a punição. Nas organizações, por exemplo, ainda é comum encontrarmos pessoas em posições hierárquicas que usam da violência simbólica, por meio de sua forma de falar, que culminam por motivar a ação das pessoas em diferentes posições hierárquicas. O ponto é “a motivação não dura muito e é necessário manter estímulos para motivar a ação.”
A inspiração é aquilo que aquece o nosso peito. Às vezes pode estar borbulhante, às vezes pode estar morna, mas está lá, decorrente de nossa capacidade de perceber, interpretar e almejar coisas. “É uma força interna”, diz Sinek. Não sou psicóloga ou tenho habilitação para definir essa força interna. Mas como estudiosa das ciências da linguagem, sei que isso tem a ver com o nosso processo de expressão, de leitura, de vinculação com o contexto. Nós fazemos parte dessas narrativas que definem o mundo. E é desafiador reconhecer isso e, por vezes, se sentir perdido no percurso nos afoga no mar da estabilidade.
Falamos muito em “novo normal” como se fossemos criar novas normas para nossa convivência e vivência. Ao que parece, para muitos a Covid-19 foi um motivador, mas incapaz de chegar e ativar nossa força interior, a inspiração. Como você tem lidado com isso? Eu confesso, não está sendo fácil. O vai e vem entre a esperança e o completo desespero tem judiado dessa carcaça orgânica. Mas, eu tenho de lidar com isso. Nós temos de lidar.
O que nutre a inspiração? Nosso idealismo, nossos valores, nossos conceitos. Como diz diz Schwartz: viver é sobre aprender a aplicar conceitos à situações reais, o que resulta em conceitos diferentes, atualizados, com a nossa marca particular, ainda que escondida na construção coletiva.
Aqui chegamos ao ponto da fala de Sinek que mais tem ressoado em minha mente: “É importante que nós sejamos otimistas agora”. Não positivos, mas otimistas. Ele segue: “ser positivo é olhar para o mundo e dizer que está tudo bem. Mas as coisas estão difíceis agora”.
Otimismo é sobre reconhecer fatos, interpretá-los, mas acreditar que existem possibilidades de transformá-los, o que ele chama de luz no fim do túnel. Claro, para complicar, a vida não é um túnel, mas um emaranhado de túneis, onde há pontos de luz que se encontram, mas há escuridão a ser atravessada.
O otimismo permite a existência da escuridão, da realidade se constituir de ideologias oficiais, mas também do cotidiano. Ser otimista nos permite reconhecer que temos dias mais fluídos e outros enigmáticos. É por isso que ele diz: “não estou certo que possamos ser positivos agora, mas sei que é definitivamente importante sermos otimistas agora”.
Então, ao final dessa reflexão, a lição mais simples e mais difícil para lidar com todas as dificuldades que tentam limitar o estado saudável de nosso corpo orgânico é: conhecer-se, conectar-se, descobrir o que inspira nossas tomadas de decisão, o que nos faz acordar, nos faz conversar com quem conversamos. Por vezes, teremos de tirar alguns atores da interação, às vezes isso não será possível e teremos de manter a convivência, ao menos por um tempo, com aquilo que nos tira do eixo. Mas não podemos deixar que a motivação externa apague nossa inspiração, nossa chama interna.
Isso me faz lembrar de uma frase de Martin Luther King: “No fim, nós não lembraremos das palavras de nossos inimigos, mas do silêncio de nossos amigos”. A omissão em relação à autorização que damos para que nossos valores e ideais sejam alvejados e destruídos é uma escolha nossa. Talvez esse seja o maior desafio de nossa vida cultural e orgânica, com início e fim determinados: a fidelidade àquilo que nos vincula aos outros de maneira inspiradora ao invés da traição à nossas construções simbólicas próprias, nossas leituras e interpretações. No micro contexto, a escolha é nossa.