Nativo Digital! Um conceito que já tem quase 20 anos e ainda é fonte de controvérsia. Há quem concorde, há quem discorde. Há pesquisas que buscam desmistificar esse entorno super dimensionado dos indivíduos nascidos e socializados com possibilidades mil de usos e abusos tecnológicos. Mas seria esse conceito inspiração para outras reflexões? Podemos entender a noção de pertencimento e de identidade a partir desse conceito? E por esse caminho que visamos navegar com esse texto.

O conceito de Nativo Digital foi elaborado por Marc Prensky, em 2001, em uma dupla de textos: Nativos Digitais e Nativos Imigrantes e Eles realmente pensam diferente?.
Prensky é um peslestrante americano, cujo enfoque é a educação. O propósito central do texto dele, à época da sua redação, era questionar o sistema educacional.
Podemos questionar os interesses de Prensky ao afirmar que:
“Our students have changed radically. Today’s students are no longer the people our educational system was designed to teach”.
Marc Prensky, 2001
“Nossos estudantes mudaram completamente. Os estudantes de agora não são mais aquelas pessoas que nosso sistema educacional foi desenhado para ensinar”
Entretanto, ele tinha razão. Os estudantes, ou melhor, os indivíduos que sobreviveram às guerras e que deram continuidade às revoluções tecnológicas iniciadas lá no século 18, não eram mais os mesmos. E por que faço esse resgate, já que estamos no século 21? Pois gostaria de convidar você a um exercício empático: acesse a busca do google e digite “vida no século 18”. Ao ver algumas imagens sobre como era a realidade naquela época, gostaria que você imaginasse qual foi a reação das pessoas que tiveram contato com aquelas tecnologias, hoje obsoletas. Será um super esforço, eu sei. Mas esse esforço é necessário para entender que a nossa relação com o mundo mudou naquele momento, sim drasticamente. Foi brusco.
Por mais que tenhamos admiração e receio às tecnologias com Inteligência Artificial, creio que nem de perto o impacto de viver com elas será semelhante ao que implicou a vivência com as máquinas na primeira revolução industrial. Por que? Pois já estamos mudando nosso cérebro e nosso jeito de ver o mundo desde aquela época.
Assim, a proposta de Prensky tem um sentido limitado, ainda que, à época, tenha causado furor. De fato, todas as reflexões geracionais se desenvolvem há algum tempo, mas se intensificaram a partir daquele momento, da necessidade de marcar que baby boomers eram muito distintos de millenials, que por sua vez são muito diferentes da geração Z, que é distinta da alfa, da W e por aí vai. Por mais que as classificações sejam importantes para nos ajudar a definir o mundo e nos relacionarmos linguisticamente com o mundo, não há nada mais antigo do que taxar as coisas em silos.
A sociedade foi alterada durante todos os anos, pois nossas práticas estão dialogicamente se transformando. Quando viajamos, lemos, assistimos à vídeos, conversamos… qualquer ação que realizamos está atuando no processo de definição das práticas de uma sociedade. E quem está vivo neste tempo, está em relação. É inevitável.
Assim, a ideia de nativo, como alguém que nasceu em um contexto cultural específico, levada ao contexto tecnológico – nativo digital -, de fato, deveria questionar o que é ser nativo. Alguém ainda acredita em uma cultura pura? Eu não. Mesmo nos tempos ancestrais, o encontro entre tribos nômades com aquelas fixas implicou na elaboração e na evolução tecnológica da época. Às vezes avalio se não éramos mais colaborativos naquele tempo. Mas como não tem como voltar lá e ver como as coisas eram, isso é especulação da minha parte.
Mas falando do tempo presente, creio que temos de entender que esse nativo é aquele pode ser ponte entre diferentes visões de mundo. Assim como o imigrante. Nesse ponto, ambos têm a mesma função social: construir pontes. Colaborar. Aprender. Compartilhar. Creio que isso terá êxito se mudarmos os conceitos e preconceitos que carregamos em nossos imaginários. Se pararmos de avaliar nossas capacidades pela coragem de usos tecnológicos, ou pelo meio isolado, pois esses pontos não se encontram e acabam criando visões de opostos. Precisamos de uma visão de confluência a partir das diferenças. Vamos ao desafio!

Gislene Feiten Haubrich é Doutora e Mestre em Processos e Manifestações Culturais. Dedica suas investigações aos estudos comunicacionais no contexto das organizações sob os enfoques da Ergologia, das teorias Bakhtiniana e Discursiva. Fale com: gislene@coffeeandwork.net
Para ir além...
Assista nosso vídeo lá no canal Coffee and Work no YouTube. Aqui falamos sobre outro conceito, imigrante digital!