Coffee and Work

Na Feira de Hannover de 2011, a expressão “Indústria 4.0” foi enunciado pela primeira vez. No entorno, a busca por soluções às questões industriais devido às mudanças em hábitos de consumo, políticas de atenção ao meio ambiente, envelhecimento populacional, para citar alguns. 

O propósito de criar “fábricas inteligentes”, vinculando os sistemas físicos e virtuais que sustentam a produção das diferentes indústrias, impacta toda a cadeia envolvida, seja pela possibilidade de incremento tecnológico, seja pela forma como os indivíduos são convocados a renormalizar esse contexto.

Klaus Schwab, em seu livro de 2016, “A Quarta Revolução Industrial”, destaca que as mudanças serão muito drásticas, talvez as mais intensas que a humanidade já tenha experimentado. Eu não tenho certeza em relação a isso. Ainda creio que a 1ª Revolução Industrial, no século XVIII, tenha sido a mais abrasadora. Entretanto, alguns problemas daquela época permanecem bem visíveis em nossa sociedade. O tamanho, a velocidade e o escopo são os pontos de impacto à nossa forma de fazer história por meio da tecnologia em nosso tempo contemporâneo e futuro.

Schwab afirma: “uma compreensão compartilhada é particularmente crítica se visamos um futuro coletivo, que reflita objetivos e valores comuns”. Adiante, ele destaca que precisamos construir elementos para uma narrativa comum e positiva. Honestamente, não creio que essa solução, comum do tempo moderno, século XX para ser mais específica, seja possível em nosso tempo. Nós não cremos mais em grandes narrativas. Nossas instituições são fonte de muito descrédito. Vamos pensar na crise de saúde pública que estamos vivendo agora: questiona-se a Organização Mundial da Saúde, os ministérios nacionais de saúde, os institutos de pesquisa. Nossa relação com o tempo está impaciente e rasa de interesse comum.

Nossa compreensão do que seja a tecnologia e nossa capacidade de pensar a convivência com ela tende a seguir a mesma perspectiva e os mesmos valores que temos em relação a nossa coabitação com os seres da natureza. Como você avalia que estamos lidando com animais, silvestres ou domésticos? Como você anda lidando com o lixo que produz? Como você vem lidando com a água, a energia, o solo? Se você puder realizar um breve exercício de autocrítica, não preciso avançar nesse argumento.

Jean François Lyotard nos ajuda a compreender o pós-moderno, esse tempo em que nós refutamos os conhecimentos seculares e robustos em prol das teorias da conspiração. Penso ser assustador esse poder que as narrativas rasas e facilmente questionáveis têm. Como alguém ainda pode pensar que a Terra é plana? Onde essas crenças estão nos levando?

Você pode estar se perguntando: mas o que isso tem a ver com a Indústria e com o Trabalho? Respondo: TUDO.

O modo como vemos o mundo, como o interpretamos embasa as nossas relações com todas as espécies que coabitam o planeta. As tecnologias, especialmente essas extremamente sofisticadas, ocupam espaço em nosso contexto e o valor simbólico e financeiro que atribuímos a elas determina como nos relacionamos com elas. Falamos anteriormente da “fábrica inteligente”. Já há quem fale no “Operador Inteligente”, ou seja, aquele indivíduo que agrega inúmeras estratégias tecnológicas, como os óculos de realidade aumentada ou o suporte corporal, para realizar o trabalho industrial. Espera-se que esses aparatos sejam usados por nós para que melhorem nossas condições físicas e mentais. Mas será?

Pense na presença dos smartphones, no seu smartphone. Você não tem a sensação de que ele quase que faz parte do seu corpo, tipo bem integrado mesmo? Agenda, despertador, notas, aplicativos para todas as nossas demandas. Nosso corpo físico sofre o impacto de todas essas experiências, ainda que apenas tenhamos citado exemplos externos. E como nós interpretamos isso? Como isso tem implicado nossa visão sobre a presença das pessoas?

Não penso que as tecnologias sejam demoníacas. Longe disso, até porque, precisamos de uma narrativa religiosa para dar sentido a essa compreensão, o que, como falamos, não é mais o ponto central. O que eu penso é precisamos repensar, de modo urgente, é nossa relação com o objeto, que precisa ir além do uso e precisa avançar à alteridade. O objeto, os animais, as plantas…: todos os seres que existem, para além dos humanos, instigam nossa interação e se nós mantemos uma perspectiva de uso, de propriedade, de submissão, talvez todo o impacto positivo almejado pelo avanço tecnológico não se torne realidade.

Por fim, esses são os elementos que vão definir nosso olhar sobre o trabalho e sobre as possibilidades a partir dele. Se avançarmos das relações de poder verticais, às relações de alteridade e de interdependência, nosso convívio com todos os seres, aqui mesmo na redonda Terra, poderá ser de esperança e qualidade.

Gislene Feiten Haubrich é Doutora e Mestre em Processos e Manifestações Culturais. Dedica suas investigações aos estudos comunicacionais no contexto das organizações sob os enfoques da Ergologia, das teorias Bakhtiniana e Discursiva. Fale com: gislene@coffeeandwork.net