Coffee and Work

Uma investigação publicada em dezembro pela revista “The Leadership Quarterly”, do grupo editorial Elsevier, tem chamado a atenção de muitos devido aos resultados que apontam, já no título, que “comportar-se como uma estrela acelera o avanço da carreira à posição de CEO” (tradução nossa).

A investigação assinada pelas investigadoras Paola Rovelli (da Universidade Livre de Bozen-Bolzano) e Camila Curnis (do Politécnico de Milão) ressalta que, como amplamente sabido, o narcisismo é uma das características associadas a pessoas que estão em posições de liderança nas empresas, como é o caso de CEOs – Chief Executive Officer.

Entretanto, as investigadoras apontam para ausência de estudos que mostrem a importância do narcisismo à ascensão e nomeação de CEOS. O enfoque delas é, então, preencher essa ausência de estudos. Como hipóteses, elas afirmam:

  • Indivíduos cujo comportamento pode ser qualificado como narcisista avançam em sua carreira de maneira mais rápida, escalando níveis hierárquicos de maneira acelerada.
  • O tipo de organização pode favorecer esse tipo crescimento profissional. Nesse caso, como a maior parte das organizações no mundo é familiar, as peculiaridades deste tipo de organização podem facilitar o percurso de carreiras a funcionários que tenham características como autoconfiança excessiva, falta de empatia e arrogância.

Participaram do estudo 172 indivíduos – uma amostra pequena, por certo, como elas mesmas apontam – e essas hipóteses foram parcialmente confirmadas. O que não foi confirmado? A partir dos achados da pesquisa, pouco importa se a empresa é familiar ou não: “Os indivíduos narcisistas se beneficiam de sua personalidade quando pretendem se tornar CEOs, progredindo mais rapidamente em sua carreira”.

Bom, dada esta introdução e contextualização, vamos avançar ao ponto que pretendemos nesse artigo. Nossa inspiração vem da leitura da matéria publicada no portal “O futuro das coisas” que questiona como reverter esse quadro (mas não apresenta uma resposta). O portal faz bem ao tomar a decisão de repercutir a conclusão das autoras da investigação que apontam para a necessidade da ampliação de investigações voltadas ao mapeamento de traços de personalidade de maneira longitudinal – ao longo de um período maior – permitindo-se verificar quando essas características narcisistas surgem e como se desenvolvem.

Nós aqui também não vamos apresentar nenhuma solução ao problema. No entanto, vamos refletir um pouco acerca da nossa cultura e como as práticas instigadas ao longo do tempo nos instigam – todos – a nos tornarmos narcisistas.

Vamos começar retomando alguns resultados de uma pesquisa rápida que realizamos em nosso perfil no Instagram. Por certo que não são resultados cientificamente validados, pois não houve método científico na coleta de dados. Também o universo de participantes é bastante restrito. Entretanto, dada a diversidade de respondentes, podemos fazer reflexões genéricas e construir mais algumas questões.

Perguntamos aos nossos seguidores O que eles mais admiravam em seus gestores e as opções/respostas foram:

  1. Paciência com erros – 2 votos
  2. Agilidade na resolução de problemas – 5 votos
  3. Como trata seus funcionários – 8 votos
  4. Capacidade de coordenar ações – 1 voto

Percebe-se que as opções a e c eram relacionadas, ainda que a c seja mais abrangente, pois envolve o tratamento geral investido às pessoas por parte do gestor: seleção e acompanhamento do desenvolvimento profissional.

A segunda pergunta que fizemos foi: Você acredita que a liderança é uma característica nata? Para 46% a resposta é sim e para 54% a resposta é não. Particularmente, a resposta cabal a essa pergunta dificilmente será construída. Pelo menos por enquanto, pois só conseguimos avaliar o comportamento de um indivíduo quando ele passa a responder conscientemente aos estímulos do ambiente, organizando os conceitos no seu meio. E nesse ponto, nós já estamos envolvidos, profundamente, com o meio que nos criou. Entretanto, há teorias para satisfazer ambas as perspectivas.

A questão aqui é muito mais conceitual e interpretativa: como definimos liderança? Novamente, as concepções são muitas. Mas se associarmos as respostas da nossa audiência a essas duas questões, podemos supor – arcaicamente – que liderança é uma noção sustentada por empatia.

Essa suposição é refletida também em nossa pergunta final: “qual a principal característica de um líder?”

  1. Influência/ motivação – 6 votos
  2. Empatia – 7 votos
  3. Autoconfiança elevada – 0 voto
  4. Controle – 3 votos

Como se pode notar, nós fizemos uma pegadinha com a opção c. É provável que se não tivéssemos adicionado o adjetivo “elevada” algum voto teria sido investido à autoconfiança. No entanto, como muitos dos respondentes possivelmente já estavam a par do tema daquela matéria do portal que mencionamos antes, já estava posto que o excesso de autoconfiança é uma característica narcisista. Por certo, esta é apenas uma hipótese.

Bom, em suma, percebemos que se decorresse da vontade dos participantes da nossa sondagem, os líderes seriam dedicados a relações empáticas com seus liderados. Agora, eu gostaria de convidar você a pensar sobre a sua trajetória. Quando você faz uma seleção para algum cargo, quais são as recomendações que você recebe? Eu lembro de ouvir inúmeras vezes: “seja uma das primeiras a responder ou se ofereça para ser a primeira a fazer a dinâmica. Isso mostra proatividade”. Entre outras tantas dicas, que você também deve ter ouvido. O que está implícito nesse “isso mostra”? Nós somos motivamos a mostrar o melhor de nós e o melhor de nós está formatado por noções como iniciativa e firmeza no momento de falar; na forma como nos ensinam a apertar as mãos e a fazer conceções. Eu sempre me pergunto: onde fica a empatia nessas horas? Se liderança, por vezes, é seguir o livro – e por anos esse livro foi “O monge e o executivo” – com quem afinal estamos sendo empáticos? O comportamento humano só pode ser lapidado em interação. Podemos ler, fazer terapia e ter outras tantas estratégias, se não nos desafiamos no aqui e no agora a ser empático com quem nos relacionamos, não somos capazes de tal comportamento.

Agora pense nos líderes de nosso cotidiano. Você acha que a escolha cada vez mais frequente por líderes autoritários, que delimitam e restringem o agir é acaso? Nesse caminho que estamos trilhando, poucos são os conceitos que, no seu âmago, foram transformadas. E liderança é um destes conceitos que se esconde atrás da vidraça de palavras quase vazias de sentido, como empatia. Por fim, numa tentativa de apontar algumas pistas para que, nós, no cotidiano, revertamos essa situação de narcisistas no comando, fica a dica: experimente a empatia. Entenda a empatia. Reflita a empatia. Avalie para quem você anda investindo seus aplausos e – em retorno – anda ensinando você sobre comportamentos válidos e inválidos na condução da sua carreira.

Gislene Feiten Haubrich é Doutora e Mestre em Processos e Manifestações Culturais. Dedica suas investigações aos estudos comunicacionais no contexto das organizações sob os enfoques da Ergologia, das teorias Bakhtiniana e Discursiva. Fale com: gislene@coffeeandwork.net